sábado, 14 de fevereiro de 2015

OLHAI OS LÍRIOS DO CAMPO - ÉRICO VERÍSSIMO

"Estive pensando muito na fúria com que os homens se atiram à caça do dinheiro.  É essa a causa principal dos dramas, das injustiças, da incompreensão da nossa época.  Eles esquecem o que têm de mais humano e sacrificam o que a vida lhes oferece de melhor: as relações de criatura para criatura.  De que serve construir arranha-céus se não há mais almas humanas para morar neles?


          Quero que abras os olhos, Eugênio, que acordes enquanto é tempo.  Peço-te que pegues a minha Bíblia que está na estante de livros, perto do rádio, leias apenas o Sermão da Montanha.  Não te será difícil achar, pois a página está marcada com urna tira de papel.  Os homens deviam ler e meditar esse trecho, principalmente no ponto em que Jesus nos fala dos lírios do campo, que não trabalham nem fiam, e no entanto nem Salomão em toda a sua glória jamais se vestiu como um deles.

          Está claro que não devemos tomar as parábolas de Cristo ao pé da letra e ficar deitados à espera de que tudo nos caia do céu.  É indispensável trabalhar, pois um mundo de criaturas passivas seria também triste e sem beleza.  Precisamos, entretanto, dar um sentido humano às nossas construções.  E quando o amor ao dinheiro, ao sucesso, nos estiver deixando cegos, saibamos fazer pausas para olhar os lírios do campo e as aves do céu.
          Não penses que estou fazendo o elogio do puro espírito contemplativo e da renúncia, ou que ache que o povo deva viver narcotizado pela esperança da felicidade na "outra vida".  Há na terra um grande trabalho a realizar.   É tarefa para seres fortes, para corações corajosos.  Não podemos cruzar os braços enquanto os aproveitadores sem escrúpulos engendram os monopólios ambiciosos, as guerras e as intrigas cruéis.  Temos de fazer-lhes frente.

           É indispensável que conquistemos este mundo, não com as armas do ódio e da violência e sim com as do amor e da persuasão.  Considera a vida de Jesus.  Ele foi antes de tudo um homem de ação e não um puro contemplativo.

          Quando falo em conquista, quero dizer a conquista duma situação decente para todas as criaturas humanas, a conquista da paz digna, através do espírito de cooperação.

          E quando falo em aceitar a vida não me refiro à aceitação resignada e passiva de todas as desigualdades, malvadezas, absurdos e misérias do mundo.  Refiro-me, sim, à aceitação da luta necessária, do sofrimento que essa luta nos trará, das horas amargas a que ela forçosamente nos há de levar."  (carta de Olívia a Eugênio)

Fonte do texto:
Olhai os Lírios do Campo,  de  Érico
Veríssimo. 5ª edição. Editora Globo, 
RS, 1996.

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